sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Cordel da Pensão Mineira


CORDEL DA PENSÃO MINEIRA
CarlosMota

O teto, uma peneira;
O chão cheio de ratos:
Era a Pensão Mineira
E os seus pobres quartos.

Erguida numa avenida,
Contorno-Belorizonte,
Na Floresta desflorida,
Pegadinha numa ponte.

Perto passava o trem
Espantando os mendigos,
Feito nós, sem um vintém,
Como nós, todos fudidos!

Dona Ana, sua dona,
Já passada dos oitenta,
Ora doce, ora mandona,
De nós, era a sargenta!

Com a cabeça cinzenta
E seus passos vacilantes,
Ela sempre estava atenta
Ao bando de meliantes.

Geraldo Barbudo, boiola
E um outro Geraldo também
Disputando um gabola
Chamado Dedé de Zalém.

Espiando pela greta
Eles babando na fronha,
O Múcio Bizorreta
Castigava uma bronha.

E o levado da breca,
Dom Lalado de Caju,
Bolindo com Taco de Zeca
E com o Preto de Jacu.

Taco, chamado A Quarta,
Com o bucho vazio e oco,
Ao pai mandando carta
Pedindo broa e biscoito.

Passando cobre nos cobres,
Esvaziando a algibeira,
Ora milionário, ora pobre,
Pra tristeza dos Ferreira.

E o meu compadre Preto
Batendo no liquidificador
Cachaça com carbureto,
Amendoim em um coador

Preto pirou a cabeça
E amarrado ao cobertor,
Do teto arrancou a terça
Feito um touro voador.

E um churrasco preparou
Pondo fogo em guarda-roupa:
A carne ficou um horror
E sua cabeça mais louca.

Só comeu o Carlos Cholô
Aquela péssima comida
E numa cama se estirou,
Sem pagar pela dormida.

Cholô era ali um penetra:
Toda noite o muro pulava,
Malandro, jogando letra,
Manhãzinha se mandava.


O Manezin de Candinha,
Nosso Mané Requeijão,
Quis comer a Naiinha
Bem no canto do fogão.

Mas quando Naiinha topou
Com Manezin se deitar,
Ele viu um disco voador
E Adão Leite nele a voar!

Viu Zé Teles subir ao céu
Com grandes asas de anjo,
Seguido por Beleléu
E Dotô Gustim no banjo.

Mucio roubou de Fernando
Único par de meias Lupo...
Fernando mei torto andando:
Devolve minha meia seu puto!

Depois, de Fernando roubou
Quitandas de um caixetório
E Laca Badaró ele culpou
Desatando um falatório.

Fernando, puto com Laca,
Quase lhe deu uma tijolada,
Disse que pegaria uma faca
Por conta da palhaçada.

Calçando um alto tamanco,
De tanga andava o Cuão,
Pra tristeza e espanto
Do pobre Zé de Tristão.

Só porque tinha um gravador,
“Consola Corno” seu nome,
Tião se achava o maior
E nós uns morto de fome.

Pro Pau Bosta foi Tião
Levando o tal gravador,
Pra a boate do irmão
Animar o forrobodó

Ocorre que antes da ida
Na fita foi gravado um trecho:
- Gente do Pau Bosta, fudida
Parem logo o remelexo!

Ao ouvir o xingamento,
Falado no meio da música,
Xingaram Tião de jumento
E puxaram a sua peruca!

Consola corno foi quebrado
Antes de paga as prestação
E Tião foi escorraçado
E quase quebrou a Pensão.

Zé de Tristão, seu sobrinho,
Num sapato de três andar,
Ao dançar “Brasileirinho”
Fez o palco afundar.

No Chico Nunes foi o show,
Show dos Novos Baianos,
Em que o palco arriou,
Quando Zé tava sambando.

Zé então foi soterrado
Com todos Novos Baianos,
O sapato foi arrancado
E Zé se salvou mancando.

E foi mancando de um pé
Que ele cruzou o viaduto,
Quando Carlos virou pro Zé
E o Zé retrucou bem puto:

Não jogo este pé fora,
Isso eu não faço, não,
Pois só paguei até agora
A primeira prestação.

Enquanto vivi na Pensão,
Meu Grande Amigo Zé,
Com carinho e estimação
Do par, guardou um pé.

Era tempo da ditadura,
Dos fardados tínhamos medo...
Uma noite levamos uma dura,
Ao vasculharem nosso beco.

Fomos derrubados das camas,
Ficamos deitados no chão,
Por conta de uns sacanas
Que se hospedaram na Pensão.

Um dia, o gagá Geraldo,
Que não suportava a gente
Encaminhou pro Fanado,
Carta sem o remetente.

Ao Padre a carta chegou
Chamando-nos de maconheiros.
Minas Novas se alvoroçou...
Nossos pais em desespero.

Muitos deles foram ver
O que fazíamos em Beagá
E puderam esclarecer
As mentiras do gagá.

Sei lá, se posso revelar
Uma paixão que tive ali:
Uma moradora do lugar,
Linda, igual nunca vi!

Seus olhos dissimulados,
O rosto de uma princesa
Comigo quis ver o Fanado
Pra conhecer sua beleza
  
Cabelos cor dum Tiziu,
Pele feito u´a porcelana...
Ela comigo só não fugiu
Porque nos faltava grana!

Porém, nunca me esqueço
De quando a vi no tanque
Quase que me caiu o queixo
Ao fitar-me tão radiante!

Na hora, feito quebrante,
Ela se enleou em mim
E eu senti naquele instante
Nos braços dum querubim

Mas no pátio o Filismino,
Por ter quebrado o dente,
Ao invés de pôr um pino
Usou araldite quente.

Filismino era demente,
C´um rádio em cada orelha:
Um no sermão dum crente,
Outro em Moraes Moreira!
  
Trovejando o vozeirão,
Batendo de casa em casa,
Era o Deca Bizorrão
E as contas da Copasa.

Com fome e muito cansado,
Ele não aguentou o rojão
E as contas foram achadas,
Mucambadas em seu colchão.

A fome era tamanha,
Que nas tripas dava nó.
Mas existia uma manha
De visitar o Cororó.

Cororó era o Pedrinho,
Garçom lá da CDI
Que na hora do cafezinho
Saciava os que iam ali.

 A mais rica, Dona Regina,
Moradora da Pensão,
Esmoler em uma esquina,
Fornecia o nosso pão.
  
Lá apenas dormíamos,
Pois não se servia refeição,
Nem sei como vivíamos
Comendo apenas o pão.

Alguns se davam ao luxo
De frequentar lanchonete
E lá encher o bucho
De coxinha ou espaguete.

Um tal Domingos Melete
Nascido no Jenipapo
Tirou o “o” da omelete
Antes de enfiá-la no papo.

Por conta da supressão
Daquele “o” de omelete
Meu amigo Domingão
Virou Domingos Melete!

Certa feita, o Fernando
Foi morar com Odilon,
Mas por causa dum molambo
Os dois perderam o tom.
  
Embora no sério brigados
E a vida deles num triz
Resolveram dividir o quarto
Com um risco feito a giz.

Ao lado deles morava
O hoje Padre Badaró,
Que por conta da cambada
Se mandou pra Jericó!

Tudo por conta dum gambá
Que ninguém viu no local
Quando Odilon e Cacá
Se evadiram do quintal.

O Dé de Chico Rocha,
Tinha um vizinho de frente,
Típico chato de galocha
Que vivia gozando a gente

Só porque trabalhava
Numa famosa construtora
O Rossini se achava
Imperador daquela porra.


Numa outra estalagem
Um bêbado tarde chegava
Mas por ter perdido a chave
A porta o louco quebrava

Seu Juca, da Dona irmão,
No outro dia a consertava
Mas, à noite, o beberrão
Novamente a estragava.

Com calos e muita frieira
Parecia em ovos pisar
Manso que nem Zé Vieira
Feito um gato a andar.

É que aquele bando de éguas
Por não ter nenhum tostão
Cruzava Beagá há léguas
Caminhando no dedão.

Todos aqueles fudidos
Que moraram na Pensão
Hoje todos bem sucedidos
Cada qual em sua função.

De bancário a vigário,
De taxista a procurador
Empresário e funcionário
Radialista a Contador...

Nada disso é lorota
O que conto nestas trovas
Pois mermão Felipe Mota
Foi Prefeito de Minas Novas!

Tivéssemos nós morado
Numa majestosa mansão
Não teríamos trilhado
O caminho da retidão.

Ali aprendemos a viver
Sem luxo ou ostentação;
Que ser é melhor do que ter
E que todos somos irmãos.



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